O mercado europeu começa a demonstrar que o futuro dos carros elétricos pode não ser tão econômico quanto se imaginava inicialmente. Uma proposta apresentada pelo Tesouro britânico, integrada ao plano orçamentário da chanceler Rachel Reeves, sugere que, a partir de 2028, proprietários de veículos elétricos passem a pagar uma tarifa baseada na distância percorrida. O valor estipulado é de 3 pence por milha, aproximadamente R$ 0,13 por quilômetro, o que altera de forma significativa o cálculo de economia que sustentou a popularização dos elétricos ao longo dos últimos anos.
Embora a medida pareça distante para motoristas de países fora da Europa, o movimento funciona como um alerta global. A transição para carros movidos a bateria sempre foi apresentada como uma forma de reduzir despesas com combustível e manutenção. Entretanto, a adoção de um pedágio por uso enfraquece parte desse argumento e pode modificar o perfil de consumidores interessados em migrar para essa tecnologia, além de impactar diretamente as estratégias das montadoras.
A iniciativa é justificada por um ponto essencial: a queda na arrecadação de impostos sobre combustíveis. Com o avanço dos elétricos, a receita gerada por gasolina e diesel, historicamente usada para financiar infraestrutura, manutenção viária e subsídios, vem diminuindo. Sem essa fonte tradicional, o governo britânico busca alternativas de compensação, e a cobrança por quilômetro surge como solução possível. Para veículos híbridos plug-in, a proposta sugere uma taxa menor, de cerca de 1,5 pence por milha, equivalendo a algo próximo de R$ 0,07 por quilômetro.
Estimativas iniciais apontam que um proprietário de carro elétrico que percorra cerca de 13 mil quilômetros ao ano poderá pagar entre 300 e 400 libras anuais, algo entre R$ 2,1 mil e R$ 2,8 mil, sem incluir despesas com energia, seguro e manutenção. Em mercados como o brasileiro, onde os impostos de importação são elevados e a infraestrutura de recarga ainda é limitada, um acréscimo desse tipo teria impacto ainda mais negativo, comprometendo a principal promessa de economia relacionada aos elétricos.
A cobrança por distância também tende a penalizar motoristas que utilizam o carro com maior frequência, o que altera o perfil de público interessado. O elétrico, antes visto como opção vantajosa para uso urbano e cotidiano, pode se tornar mais atrativo apenas para quem roda menos.
A medida tem potencial para desacelerar a adoção de veículos elétricos. Projeções já apontam para uma possível redução na demanda, uma vez que o aumento no custo de propriedade pode desestimular consumidores que cogitavam a troca de veículo, mesmo considerando os avanços tecnológicos e o apelo ambiental. Para as montadoras, o risco está na perda de um importante argumento de venda: o menor custo por quilômetro. Diante desse cenário, fabricantes podem ser obrigadas a rever preços, incentivos e estratégias, além de desenvolver modelos ainda mais eficientes e com custos de operação reduzidos.
Modelo pode se espalhar pelo mundo
A proposta do governo britânico de cobrar uma taxa por quilômetro rodado de veículos elétricos tende a abrir um precedente que pode influenciar diretamente outros países. A justificativa apresentada pelo Reino Unido é simples: com a queda na arrecadação de impostos sobre combustíveis, o modelo atual de financiamento da infraestrutura viária se torna insustentável. Esse mesmo problema já começa a surgir, em maior ou menor escala, em diversos mercados que incentivaram a eletrificação. Por esse motivo, a iniciativa britânica tem potencial para inspirar medidas semelhantes em outras regiões.
Estados Unidos, Canadá, Austrália e países da União Europeia já estudam alternativas para suprir a perda de receita tributária causada pelo avanço dos carros elétricos. Em vários desses mercados, a gasolina e o diesel representam parte importante do orçamento público destinado a obras rodoviárias e manutenção. À medida que a frota elétrica cresce, a tendência é que a arrecadação caia em ritmo acelerado, criando um déficit que governos precisarão preencher de alguma forma. Em alguns estados norte-americanos, por exemplo, já existem taxas adicionais sobre veículos elétricos no licenciamento anual, algo que pode evoluir naturalmente para um modelo mais sofisticado de cobrança por uso, semelhante ao proposto pelo Reino Unido.
Na Europa, onde a eletrificação avança de maneira mais rápida que no restante do mundo, a possibilidade de adoção desse tipo de tarifa ganha ainda mais força. Países com metas agressivas de descarbonização, como Noruega, Holanda e Alemanha, já enfrentam dificuldades fiscais por conta da redução na venda de combustíveis fósseis. Esses governos, em algum momento, terão de substituir arrecadação perdida e podem enxergar na cobrança por quilômetro uma solução pragmática. Mesmo que inicialmente exista resistência por parte da população, a pressão sobre os cofres públicos pode tornar o debate inevitável.
Mercados emergentes também podem ser impactados, ainda que em outra escala. Países como Brasil, México, Chile e Índia caminham mais lentamente rumo à eletrificação, mas observam de perto movimentos de nações desenvolvidas. Quando grandes economias adotam um novo modelo tributário, isso cria tanto um referencial técnico quanto uma justificativa política para outros governos seguirem a mesma direção. No Brasil, por exemplo, já existe preocupação com a queda futura na arrecadação de ICMS sobre combustíveis à medida que o mercado de elétricos cresce, mesmo que lentamente. Embora uma taxa por quilômetro ainda não esteja em discussão, é possível que esse tema entre na pauta daqui a alguns anos, principalmente quando a frota elétrica atingir patamar maior.
Outro fator que pode acelerar a adoção global desse tipo de cobrança é a padronização de tecnologias de rastreamento, como sistemas de telemetria, conectividade embarcada e monitoramento de placas. À medida que carros modernos se tornam mais conectados, a implementação de uma cobrança por distância fica tecnicamente mais simples, reduzindo custos operacionais e facilitando a fiscalização. Países que antes teriam dificuldade em implementar esse tipo de controle podem, em pouco tempo, ter condições técnicas suficientes para fazê-lo.
A expansão dessa prática também pode ser influenciada pelas montadoras. Se grandes fabricantes perceberem que a cobrança por quilômetro se tornará tendência global, poderão ajustar seus produtos para lidar melhor com esse novo cenário, seja reduzindo custos de operação, seja oferecendo pacotes de assinatura com benefícios fiscais ou de rodagem. A indústria automobilística costuma seguir padrões internacionais e, ao se adaptar a uma nova lógica de tributação, acaba fortalecendo a viabilidade desse modelo mundo afora.
No entanto, a adoção dessa medida em outros países não ocorrerá sem debate. A principal resistência deve vir dos consumidores, que veem na economia de uso um argumento decisivo para considerar a troca por um elétrico. A cobrança por distância reduz essa vantagem e pode desacelerar a transição energética em mercados onde a infraestrutura ainda é limitada. Governos terão de equilibrar a necessidade de arrecadação com a manutenção de incentivos suficientes para que a eletrificação continue avançando.
Em resumo, a iniciativa britânica tem potencial para se espalhar por outros países porque aborda um problema real e inevitável: a perda de receita com combustíveis fósseis. A tendência é que, com o tempo, mais governos adotem modelos de cobrança por uso, seja por quilômetro, seja por pacotes de rodagem ou tarifas diferenciadas. O impacto global dependerá da velocidade com que esses modelos forem adotados e de como a indústria e os consumidores reagirão a essa mudança no custo de propriedade dos veículos elétricos.
