Volkswagen registra prejuízo bilionário e alerta para nova crise de semicondutores

A Volkswagen reportou um prejuízo de R$ 8,55 bilhões (aproximadamente US$ 1,5 bilhão) no terceiro trimestre de 2025, o primeiro desde a pandemia. O resultado negativo reflete os impactos das tarifas impostas pelos Estados Unidos e da persistente escassez global de semicondutores, segundo informou o The New York Times. O grupo, que engloba marcas como Audi, Porsche e Volkswagen, enfrenta sérias dificuldades para manter o ritmo de produção e admite que a falta de chips pode provocar novas paralisações em fábricas europeias.

Tarifas e desaceleração global pressionam resultados

As tarifas sobre insumos automotivos impostas pelo governo do presidente Donald Trump elevaram significativamente os custos de produção. O imposto sobre veículos importados saltou de 2,5% para 15% em agosto, agravando o cenário em meio à queda da demanda chinesa.

“Estamos seguros até o final da próxima semana”, afirmou o diretor financeiro Arno Antlitz durante conferência com analistas. “Nossa previsão depende da disponibilidade contínua de semicondutores.”

Crise envolvendo a Nexperia amplia o problema dos chips

A escassez foi intensificada pela disputa comercial entre Estados Unidos e China em torno da Nexperia, fabricante holandesa de microchips controlada pela chinesa Wingtech. A decisão de Pequim de suspender exportações da empresa interrompeu o fornecimento de componentes essenciais usados em sistemas básicos dos veículos, como limpadores de para-brisa, luzes de advertência e indicadores de direção.

O bloqueio afetou diretamente a cadeia de suprimentos das montadoras europeias. Para o economista-chefe do banco ING, Carsten Brzeski, “os temores de paralisações na indústria automotiva alemã em função dos controles chineses sobre microchips são um lembrete de que o setor já não dita mais as regras do jogo”.

Porsche revê estratégia e acumula perdas

A Porsche, controlada em 75% pela Volkswagen, contribuiu para o resultado negativo ao reduzir seu foco em veículos totalmente elétricos. A marca registrou um prejuízo operacional de € 966 milhões no trimestre, revertendo o lucro de € 974 milhões obtido no mesmo período do ano anterior.

Nos nove primeiros meses de 2025, os custos de reestruturação somaram € 4,7 bilhões, e a empresa anunciou o corte de 4 mil postos de trabalho até o fim do ano. A retração na demanda por carros elétricos de luxo, especialmente na China, pesou sobre o desempenho da divisão.

Volkswagen busca cortar custos e aumentar eficiência

A montadora alemã estima que os gastos com tarifas alcancem € 5 bilhões em 2025. Para reduzir o impacto, pretende ampliar a produtividade e reduzir despesas em todas as marcas do grupo.

“Esperamos que as tarifas continuem”, disse Antlitz. “Nosso desafio é intensificar as medidas de eficiência e controle de custos.”

A Volkswagen também negocia com o governo norte-americano incentivos fiscais que reconheçam investimentos já realizados no país, como os US$ 1 bilhão aplicados na startup Rivian. Além disso, a empresa avalia construir uma fábrica da Audi nos Estados Unidos até o fim do ano.

Brasil mantém estabilidade diante da crise global

Enquanto a Volkswagen enfrenta incertezas na Europa, o Brasil conseguiu minimizar os efeitos da escassez de semicondutores. Segundo o iG Carros, o governo brasileiro firmou um acordo direto com Pequim, obtendo licenças especiais de importação de chips, o que garantiu estabilidade na produção automotiva nacional.

De acordo com dados da Anfavea, o país produziu 214 mil veículos em outubro, um aumento de 6,1% em relação ao mesmo mês de 2024. A indústria automotiva brasileira segue com níveis estáveis de emprego e exportações, afastando o risco de paralisações no curto prazo.

Principais implicações para a indústria automotiva

1. Redução da produção e interrupções nas fábricas

A falta de chips afeta diretamente a produção de automóveis porque muitos componentes — desde sistemas de infotainment até sensores de assistência ao condutor (ADAS) — dependem de semicondutores.
Por exemplo, algumas montadoras tiveram de operar em 50 % ou menos da capacidade em determinados momentos.
O relatório da McKinsey & Company destaca que a indústria automotiva segue uma estratégia “just in time” (estoques mínimos), o que a torna particularmente vulnerável a interrupções de fornecimento. 

2. Aumento de custos e aumento nos preços aos consumidores

Com menos disponibilidade de veículos novos, os estoques nas concessionárias caem, o que pressiona os preços para cima. Por exemplo, em contraste com a era pré-pandemia, os veículos ficaram mais caros. 

Além disso, os fabricantes estão investindo mais para garantir chips, redesenhar partes para usar alternativas, ou pagar prêmios maiores por componentes — o que reduz margens ou exige que repassem esses custos para o consumidor.

3. Foco em veículos de maior margem e priorização de modelos

Dado o modo de escassez, algumas montadoras estão priorizando os modelos mais lucrativos — SUVs, elétricos, carros de luxo —, deixando de lado ou reduzindo a produção de modelos de volume menor margem.
Isso pode provocar mudanças permanentes no portfólio de produtos das montadoras e impactar mercados de massa.

4. Atrasos no lançamento de novos modelos e impacto na inovação

A escassez de chips complica o lançamento de carros novos, especialmente aqueles com tecnologias avançadas como condução autônoma, conectividade, eletromobilidade. Os chips necessários para essas funções são mais sofisticados ou de “nós” mais antigos porém críticos, que têm menos investimento. 
Ou seja: não só se fabrica menos, mas também inovações são retardadas.

5. Alterações na cadeia de suprimentos e no poder competitivo

Empresas com cadeias de suprimento bem diversificadas ou que já tinham relacionamento direto com fabricantes de chips têm vantagem. As que dependem de poucos fornecedores ou de geologias de risco ficam mais vulneráveis.
Também muda o poder de barganha: os automóveis que garantem chips têm vantagem competitiva.

6. Mais longo prazo: mudança estrutural no setor

Relatórios da McKinsey indicam que a demanda por chips automotivos vai crescer substancialmente até 2030 (tanto em volume quanto em valor), impulsionada por eletromobilidade, conectividade, ADAS. 
Isso significa que o problema da escassez não é apenas um choque temporário — há uma mudança estrutural em andamento que exige adaptação no setor.

O que os especialistas apontam como soluções ou estratégias

  • Melhor previsão de demanda e planejamento em longo prazo: a McKinsey recomenda que fabricantes automotivos construam uma visão de 3-5 anos para demanda de chips, e cooperem com fornecedores. 
  • Diversificação de fornecedores e mapeamento de risco (“war rooms” de cadeia de suprimento): algumas montadoras montaram equipes especializadas para monitorar o fornecimento de chips e reagir rapidamente.
  • Investimento em capacidade de produção de chips de “nós” mais antigos (ex: 90 nm ou maiores), que são comuns em automóveis, mas com pouca margem para fabricantes de semicondutores. McKinsey afirma que “o nó > 90nm, de alta demanda automotiva, provavelmente continuará com escassez”.
  • Redesenho de componentes para usar chips mais disponíveis, ou padronização de famílias de chips para reduzir complexidade de fornecimento.

Implicações específicas para montadoras como a Volkswagen Group (como no seu exemplo)

No caso da Volkswagen, essa escassez se soma a outros fatores (tarifas, demanda chinesa fraca). A empresa alertou que “impactos de curto prazo na rede de produção não podem ser descartados”.
Isso significa que:

  • A Volkswagen pode ter linha de produção parada ou reduzida se não obtiver chips.
  • Seus custos aumentam (chips mais caros, menos volumes) e o prejuízo que você citou aprofunda.
  • A alocação de chips provavelmente será para modelos mais lucrativos ou marcas premium do grupo (Audi, Porsche) antes das de volume.
  • A recuperação da produção total será lenta, o que afeta metas de volume, margens e retorno sobre o investimento.

Cenários futuros e riscos de médio prazo

  • Mesmo se a escassez imediata se aliviar, o setor automotivo perdeu parte do ritmo de crescimento esperado: segundo a agência S&P Global Mobility, o setor vai levar mais tempo para voltar ao tamanho que era previsto antes da pandemia.
  • Há risco de que novos choques (geopolíticos, como fechamento de exportações de chips, ou logísticos) voltem a causar crises — especialmente porque muitos chips automotivos são produzidos em poucos locais geográficos.
  • A necessidade de “eletrificar” a frota, ter mais conectividade, mais sensores, significa que a demanda por chips automotivos vai subir — se o fornecimento não acompanhar, veremos aumento de preços, atraso de lançamentos e possivelmente oligopolização de quem conseguir acesso.
  • Para mercados emergentes (como o Brasil), isso pode significar ainda maior deficiência de oferta ou modelos mais caros.

Postagem Anterior Próxima Postagem