Um dos esportivos mais marcantes do Brasil nos anos 80 voltou aos holofotes no Salão do Automóvel deste ano: o Hofstetter. Pouca gente sabe, mas esse carro nasceu do sonho insistente de um garoto apaixonado por design automotivo.
Tudo começou quando Mário Richard Hofstetter tinha só 12 anos. Foi ali, folheando as fotos do Bertone Carabo — um conceito exibido no Salão de Paris de 1968 — que o menino decidiu: um dia vou criar meu próprio esportivo. O Carabo, com sua carroceria em forma de cunha e mecânica derivada do Alfa Romeo 33 Stradale, acendeu a chama.
Inspiração italiana e personalidade brasileira
Aos 15, Mário já tinha um rumo. Mas tomou um susto ao ver no Salão de Genebra de 1971 o Maserati Boomerang, obra de Giorgetto Giugiaro, ainda mais ousado. No ano seguinte, o conceito virou o Maserati Bora e influenciou meio mundo: Passat, Golf, Lancia Delta, Lotus Esprit e até o DeLorean DMC-12. Mário absorveu tudo, misturou referências e, em 1972, aos 16 anos, desenhou o carro dos seus sonhos.
Nasce o projeto nacional
Em 1973, ao lado de um amigo, começou a moldar a carroceria em fibra de vidro. O pai, Félix Hofstetter, duvidou — e isso virou combustível. Em 1975, a primeira carroceria saiu do molde. Félix arregalou os olhos e, só então, resolveu apoiar o filho.
O desenvolvimento andava no ritmo possível. Para continuar, Mário comprou um chassi de corrida da Divisão 4 com motor Ford-Binno e colocou sua carroceria por cima. Sem vidros, guiava pelas marginais de São Paulo para testar o comportamento. E ousou ainda mais: comprou um motor Hart-Hewland usado por José Carlos Pace na Fórmula 2. A realidade veio rápido — motor de competição não serve para uso urbano. Mesmo assim, esse virou o primeiro protótipo funcional.
Amigos do pai até ofereceram financiar a versão final, mas pediram metade do negócio. Félix bateu o pé: fariam tudo em família, mesmo que levasse tempo. E levou — sete anos até o início da produção.
Motor de Gol GT com turbo e soluções fora da caixa
Depois de vários ajustes, o protótipo ganhou chassi tubular. A suspensão traseira aproveitava o subchassi dianteiro do Passat, com motor MD-270 1.6 montado longitudinalmente. Na frente, peças do Chevette. Mais tarde, entrou o motor 1.8 a álcool do Gol GT 1984, com câmbio de cinco marchas do modelo 1985. Ainda era pouco para o visual futurista, então veio o turbo: cerca de 140 cv.
O Hofstetter chamava atenção por soluções ousadas: portas elétricas em formato de tesoura, faróis escamoteáveis, painel digital. Como os vidros não abriam, o ar-condicionado entrava em ação automaticamente — um luxo para época. Mas isso criava problemas simples do dia a dia, como pagar pedágio. A solução? Uma pequena janelinha corrediça na peça acrílica.
Fábrica no auge e mudanças mecânicas
Em 1986, a fábrica na Vila Olímpia (SP) trabalhava firme. As primeiras unidades já estavam nas mãos da imprensa. Mas um plano econômico derrubou o entusiasmo e Mário voltou sua atenção para os negócios da família. Ainda assim, o carro continuou evoluindo: ganhou o motor 2.0 turbo do VW Santana, mais forte e cheio de torque. Vieram também mudanças visuais — asa traseira, saias laterais e nova identidade nos faróis.
Apenas 18 unidades feitas
Da primeira carroceria moldada em 1975 ao fim da produção em 1993, passaram-se 18 anos. E apenas 18 unidades ganharam as ruas. Hoje, Mário guarda três delas como tesouro: o primeiro protótipo com chassi de Divisão 4, a primeira unidade com mecânica definitiva (chassi nº 2) e a penúltima fabricada (nº 17).
Um esportivo raro, teimoso e cheio de personalidade — do jeito que o brasileiro gosta.