Setor teme novo colapso global com risco de paralisações e desabastecimento.
| Fábrica da Volkswagen em Taubaté (SP) — Foto: Divulgação |
Aproximadamente quatro anos após a crise que paralisou montadoras em todo o mundo, uma nova escassez de chips e semicondutores volta a assombrar a indústria automotiva global. Fábricas na Europa já enfrentam falta de componentes, e especialistas alertam que o Brasil pode ser afetado diretamente nas próximas semanas, com risco de interrupção nas linhas de montagem.
Em nota, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) afirmou que o momento é “desafiador” e exige mobilização imediata para evitar consequências graves.
“Com 1,3 milhão de empregos em jogo em toda a cadeia automotiva, é fundamental que se busque uma solução rápida”, destacou o presidente da entidade, Igor Calvet.
As associações Abipeças (Associação Brasileira da Indústria de Autopeças) e Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) também se manifestaram, enviando uma carta ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que comanda o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, pedindo apoio governamental para evitar uma crise semelhante à de 2020 e 2021.
⚙️ Como teve início a nova crise
Diferente da pandemia de Covid-19, que causou a escassez anterior, a nova crise tem origem geopolítica.
O estopim foi uma disputa entre Holanda e China. Em outubro, o governo holandês assumiu o controle da fabricante Nexperia, uma empresa de semicondutores com sede na Holanda, mas pertencente ao grupo chinês Wingtech.
A ação foi justificada por “questões de propriedade intelectual”, mas irritou o governo de Pequim, que reagiu impondo restrições à exportação de componentes eletrônicos produzidos na China. O resultado foi uma limitação imediata na oferta global de chips, afetando montadoras europeias e acendendo o alerta em toda a cadeia automotiva.
“A crise já afeta a produção em fábricas automotivas na Europa e arrisca parar montadoras no Brasil”, explicou a Anfavea.
💡 Quantos chips tem um carro?
Um veículo moderno é praticamente um computador sobre rodas.
Modelos convencionais possuem entre 1.500 e 2.000 chips, enquanto carros de luxo ou com tecnologias avançadas podem ultrapassar 3.000 unidades.
Esses componentes estão em quase todos os sistemas do automóvel:
-
Ar-condicionado e vidros elétricos;
-
Módulos de freios ABS e airbags;
-
Direção elétrica e assistentes de condução (ADAS);
-
Sistemas de navegação, Bluetooth e conectividade com Apple CarPlay e Android Auto;
-
Controle de emissões e gerenciamento do motor.
Sem esses semicondutores, até funções básicas deixam de operar — o que impossibilita a montagem de um veículo completo.
🏭 Por que a produção corre o risco de colapsar?
A dependência global da Ásia e da China torna o cenário especialmente delicado. O Brasil não fabrica chips automotivos e depende 100% da importação.
Basta faltar um único componente eletrônico para parar toda uma linha de montagem.
“Produzir chips não é algo que se resolva com velocidade. Uma fábrica leva de três a cinco anos para entrar em operação e exige investimentos bilionários”, explica o consultor Milad Kalume Neto, da K.Lume Consultoria.
Enquanto isso, as grandes produtoras de semicondutores — como TSMC, Samsung e Intel — têm priorizado segmentos mais lucrativos, como celulares, computadores e servidores, deixando a indústria automotiva em segundo plano.
Essa disputa interna aumenta ainda mais o risco de desabastecimento e eleva os custos de produção, afetando montadoras como Volkswagen, Fiat, Toyota, Caoa Chery e Mercedes-Benz, que mantêm unidades ativas no Brasil.
🚦 Impacto direto no Brasil
Se o cenário se agravar, o país pode enfrentar paralisações em massa, com perda de empregos e queda de investimentos.
Além disso, o preço dos veículos pode subir novamente, repetindo o que aconteceu em 2021, quando a falta de chips reduziu a oferta e pressionou o mercado de usados.
A Caoa, em Anápolis (GO), e a Volkswagen, em Taubaté (SP), são exemplos de montadoras que dependem fortemente da importação desses componentes para manter suas linhas em operação.
🔮 Perspectiva para os próximos meses
Embora governos e montadoras estejam tentando diversificar o fornecimento e estimular a produção regional, não há solução rápida.
Analistas projetam que a normalização do mercado pode levar de 12 a 24 meses, dependendo do avanço das negociações entre Europa e China.
Enquanto isso, o alerta permanece: sem chips, não há carro.
E sem carro, a cadeia produtiva — que vai do aço às concessionárias — pode sentir novamente o impacto de uma crise que parecia superada.